O paulistano Fernando Von Zuben desatou um dos nós da reciclagem ao criar uma tecnologia que separa o alumínio do plástico nas embalagens Tetra Pak. Isso permite que todos os componentes das caixinhas voltem à cadeia como matéria-prima. agora, a solução verde brasileira vai ser exportada
Por Aline Ribeiro
De dentro de seu Audi A3, em uma estrada a caminho de Piracicaba, interior de São Paulo, o engenheiro químico Fernando von Zuben tira as mãos do volante, leva-as à cabeça e solta um palavrão. Diretor de desenvolvimento ambiental da Tetra Pak, empresa líder no processamento e envase de alimentos, com faturamento global de 8,7 bilhões de euros, Von Zuben está irritado com o motorista do carro da frente, que acaba de jogar pela janela, sem o menor constrangimento, uma latinha de alumínio. Neto de suíços, Von Zuben herdou dos avós a fixação por cuidar do planeta. Ele leva ao trabalho a personalidade forte e as crenças pessoais, atributos que o impulsionam a criar soluções amigáveis ao meio ambiente. Foi com essa disposição e um jeito de cientista maluco que esse paulistano de 50 anos se tornou o responsável por uma inovação que resolveu um dos grandes nós da Tetra Pak no mundo: a separação total do alumínio e do plástico contidos nas embalagens longa vida, antes um pesadelo para a reciclagem.
Janeiro de 2009 pode ser considerado o marco para a invenção de Von Zuben. A fábrica de separação dos materiais, em funcionamento desde 2005, passou da fase de testes e atingiu fôlego industrial. “A partir deste ano, já podemos replicar o sistema na Europa”, afirma Paulo Nigro, presidente da Tetra Pak no Brasil e entusiasta da ideia. “As conversas com a Bélgica já estão avançadas.” A tecnologia desenvolvida permitiu à empresa devolver para a origem da cadeia produtiva, em forma de matéria-prima, cada um dos materiais que compõem a embalagem, solução considerada o auge da eficiência ambiental e financeira. Antes era possível isolar das caixinhas só o papel, mantendo o alumínio e o plástico unidos.
Quando passou a integrar os quadros da Tetra Pak, em 1995, Von Zuben viu-se diante de um desafio: o que fazer com as milhares de embalagens pós-consumo despejadas no lixo. A cada ano, a produção de caixinhas para o envase de leite, molho de tomate, sucos e iogurtes cresce a uma média de 5% no Brasil.
Mandar esse material para aterros sanitários já não era uma saída natural aos olhos da companhia. Mas a reciclagem total necessitava de alguns ajustes. E foi aí que entrou o engenheiro. Naquela época, o preço pago pela tonelada de embalagem Tetra Pak era só 20% do valor do papelão ondulado. Não interessava aos recicladores, portanto, separar as caixinhas para vendê-las.
A solução era agregar valor às sobras das embalagens e fortalecer a cadeia produtiva. Uma tecnologia para separar os materiais seria vista como uma solução criativa e funcional, pois o alumínio e o plástico que acabavam no lixo passariam a ter valor de mercado. Mas o pulo-do-gato não ocorreu da noite para o dia. Até obter a fórmula inovadora, Von Zuben quebrou a cabeça durante sete anos. Pediu ajuda a cientistas russos e firmou parceria com o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), em São Paulo.
Depois de várias tentativas (e muitos erros), chegou à tecnologia a plasma, inédita no mundo, que revolucionou o modelo atual de reciclagem ao separar os três componentes da caixinha. A engenhoca high-tech foi desenvolvida em parceria com a produtora de alumínio Alcoa, com a fabricante de papéis Klabin e com a empresa especializada em serviços ambientais TSL Ambiental. Custou R$ 60 milhões no total, R$ 7 milhões investidos pela Tetra Pak.
Alguns meses de estudos levaram Von Zuben a um artigo científico sobre o plasma, escrito pelo professor Roberto Szente, do IPT, a quem pediu ajuda. Os dois testaram o sistema por três anos – de 1996 a 1999 – até chegarem aos primeiros resultados concretos. Detalhe: Von Zuben jamais falou sobre suas pesquisas ao então presidente da Tetra Pak, Nelson Findeiss. Na empresa, pouca gente sabia das intenções do engenheiro. “A gente tem de mostrar o resultado pronto. Principalmente para o presidente, que não tem tempo para ficar ouvindo detalhes sobre todo o processo. Se fosse conversar com ele no início, quando tínhamos mais problemas do que resultados, certamente ele ia me pedir para abandonar a ideia”, diz Von Zuben. Experimente perguntar se, em algum momento, ele teve receio de ser repreendido e a resposta vem em tom enfático: “O máximo que podia acontecer era perder meu emprego”.
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